O A se apaixonou por Z, nem te conto.
Ficou enfeitiçado, abestado e tonto.
Sabia das barreiras que os mantinham separados
Por que não prestou atenção ao B ali tão colado?
Ou mesmo o E logo ao lado, fora do abecedário,
Quando com as vogais, é solidário.
Letras que estavam bem mais perto.
Mas, não adiantava rezar um rosário,
Quando seu mais puro e caro afeto,
Se encontrava no fim do alfabeto.
Letra por letra, procurou aliado.
Através deles, recados foram passados.
Até os estrangeiros K, W e Y ofereceram sua colaboração.
E Y, o vizinho mais próximo, assumiu a missão.
Dizer a Z tudo o que A tinha no coração.
O amor cegou a razão e o erro se fez.
A ouvia tudo com muita atenção.
Y falava polido, no mais puro inglês,
X cochichou em seu ouvido: Z só falava português
A ficou triste com a tentativa sem sucesso.
Tudo ficou sem sentido, as palavras, sem nexo.
A que era tão forte, belo e maiúsculo,
Definhou, perdeu o viço, ficou minúsculo.
As outras letras, pasmas, não sabiam o que fazer.
Como iriam aproximar A do Z?
Á solidão de A foram vindo novos sintomas.
E, da noite pro dia, A sumiu dos idiomas.
Pânico total e correria, ninguém mais se entendia.
Os latinos não tinham mais AMOR, PAZ e ALEGRIA.
O americano se preocupou com o DOLAR, o inglês com a MONARQUIA.
Os orientais não se abalaram,
Pois ninguém entende o que falam.
Mas, mesmo assim, não há como negar.
Todo mundo sentiu falta do A.
Exaustas de trabalhar e temendo algum perigo,
Algumas letras tentaram animar o amigo.
Lembravam-lhe de sua importância no vocabulário, alimento e crença.
“VATAPÁ” sem você faz muita diferença.
Havia uma histeria descontrolada entre as vogais.
Outras letras tinham opiniões menos radicais.
Outras nem se abalaram com o dilema
Mesmo assim se aliaram para acabar com o problema
A que sempre fora líder atuante.
Dirigia vogal, encabeçava consoantes.
Aceitou depois de muitos argumentos,
Reagir e lutar por seus sentimentos.
Todos sabiam que a distância era a culpada.
Entre A e Z havia uma longa estrada.
Ponderadamente, todas deram sua opinião,
Mas X e Y, juntos, resolveram à equação.
O casal inseparável e enigmático
Disse que o problema era matemático.
“Competente à física, para sermos exatos”.
Assim, todos que com número tinham contato.
Promoveram o encontro importante
Entre o 1 e seu comandante.
Sem perda de tempo e sem engano,
Os numerais desenvolveram um plano.
Abro um parêntesis nessa inusitada trajetória,
Pois todos querem saber onde está Z nessa história.
Z está ocupado traçando seu caminho
No alfabeto se sente muito sozinho
Para não ficar no canto, às minguas.
Viaja e compõem em outras línguas.
Fico pensando se, caso soubesse de A,
Sua solidão e medo iriam acabar.
Bem, paramos quando A estava na labuta.
Construindo com algumas letras, sua catapulta.
Em alguns segundos, tudo estaria pronto.
E A, nervoso, ansiava pelo encontro.
Começou a imaginar o que iria acontecer
Quando se encontrasse sozinho com Z.
“O que Z vai ver quando me olhar?”
A perto de Z por vezes dá “AZAR”.
Por outro lado, juntar A e Z,
Na maioria das vezes dá “PRAZER”.
Em qual idioma A e Z se encontram em “AMOR”?
Pensou, repensou, mas não se lembrou.
Mas, isso não importava para sua vontade.
Para ficar ao lado de Z, bastava “AMIZADE”.
Certo do que fazia se ajeitou no acento.
E foi catapulta do contra o vento.
Do jeito que tudo fora calculado,
Só podia ser um o resultado:
Antes que A pudesse perceber,
Estava parado ao lado de Z.
Ficou paralisado, estático e encantado.
Não acreditava que Z estava ao seu lado.
Tinham se encontrado pelo mundo da gramática.
Mas, agora, a situação parecia tão dramática.
Achava que para Z todos os A’s eram parecidos.
Sabia que para ele, A, só esse Z tinha sentido.
Nas convenções das regras de sua sociedade,
Nunca se encontravam, enquanto personalidade.
É por isso que, mesmo parecendo absurdo,
Z não sabia que A existia no mundo.
Z tinha um olhar interrogativo.
Recebeu A com um sorriso passivo.
Tanto para falar, o tempo a se esgotar.
A prometeu solenemente voltar ao seu lugar.
A falou, Z escutou e vice-versa.
Coisas se perderam em meio à pressa.
A perdeu a aparência de desvairado,
Depois que tudo foi explicado.
Z perdeu um pouco do ar interrogativo,
Quando contou que sua miopia era o motivo
Mais detalhe não sei dessa história.
Quem me contou, perdeu a memória.
Acredito que o encontro se deu de fato,
E que algo de bom nasceu desse contato.
Já percebeu com que insistência se esquece,
E muitas vezes se escreve Z em lugar de S?
E, quando vejo que A está perto,
Tenho convicção de que tudo deu certo.
Jack de Sampa